A vida é assim...
Fabiana Vieira, 8º B, professora Carla Celeste
Todos os dias ao acordar, deixo a
minha “persiana” abrir lentamente, acionando automaticamente a minha mão
direita para coçar levemente o canto direito do meu olho esquerdo, ou vice –
versa, retirando os pequenos pedaços de lágrimas secas a que chamamos remelas.
Ponho – me a pé, ainda a espreguiçar,
e da minha “janela” vejo novamente a minha casa (talvez, quem sabe, pela última
vez). Então aprecio todas as suas formas e cores acompanhando o meu olhar com
um suave toque prolongado pelo corrimão, enquanto os meus pés tocam no frio
mármore das minhas escadas. Chegando lá abaixo, calço os meus chinelos e visto
uma roupa quente, preparando – me para o que me espera lá fora. Sinto o café
queimar – me a língua, enquanto levo um pedaço de pão com manteiga mal barrada
à boca.
Olho em volta e pela minha “janela”
vejo o meu pai e o meu irmão. Antes de sair, olho – me ao espelho mais uma vez
só para dizer “Tu és linda!” e vou – me embora, enquanto deixo cair por casa
uma despedida invejosa, por saber que eu vou para a escola e os outros vão
continuar lá a amorracar.
Caminho lentamente até à minha paragem
gélida e desgastada, enquanto converso com o meu prizinho (primo + vizinho.
Olha eu a armar – me em Mia Couto). Da minha “janelinha” eu consigo mirar num
rápido os carros que me acompanham pelo negro asfalto cor da noite, apontando
as luzes ofuscantes na direção dos meus glóbulos oculares. Chegando à paragem,
tenho a espera incessante pelo autocarro, que de qualquer maneira é mais quente
que o frio cortante que corre no exterior. Vejo os meus colegas de paragem
chegar, deixando um “Bom dia” às meninas e retirando as mãos meias quentes,
meias frias do bolso para cumprimentar todos os machos que se encontrarem por
lá. Enquanto esperamos, o silêncio pesado instala – se no nosso pequeno
refúgio, sendo interrompido de vez em quando por algo como “As minhas mãos
estão frias” ou “Olha, o autocarro já vai ali”. Nem sempre é assim, mas hoje,
hoje é. Então, no meio de todo esse silêncio, ouve – se uma voz que diz “Chegou!”
e nesse mesmo instante todos começam a pegar em toda a série de trouxas que os
vai acompanhar todo o santo dia e todos dão um passo em frente, esperando que o
automóvel verde e normalmente com um tipo específico e bem patrocinado de
publicidade pare em frente do sortudo que sentirá a primeira lufada de ar
quente. Entramos e sentamo –nos nos lugares do costume, quase parecem pré
definidos. O meu é ao lado esquerdo do meu primo, atrás de uma cadeira que diz
“B.S.C” (penso que foi escrito por algum tipo de adepto analfabeto que nem
sequer a sigla do seu clube sabe… ou pode ter sido algum engraçadinho que
decidiu juntar as raças…, mas não interessa). O autocarro continua o seu
caminho, acompanhado por uma música folclore “fabulosa” que não dá tréguas a
ninguém. Eu, já um pouco pálida dos enjoos frequentes que tenho nas viagens de
autocarro, sinto – me aliviada, mas ao mesmo tempo não, por ver de longe as
compridas e verdes grades que se estendem ao longo da nossa escola.
O autocarro para no sítio do costume e
nós, uns pela porta da frente, outros pelas traseiras, saímos rapidamente para
não ouvirmos nenhum sermão dirigido a nós (é que ninguém gosta). Aí, sigo o
caminho habitual até ao que eu gosto de chamar a minha “prisão da semana”! O
portão está aberto e, a muito custo, eu entro e passo o meu cartão, olhando
para a minha cara ridiculamente feia que se estende sobre o ecrã (é que
sinceramente eu não sei o que é que eles fazem, porque põem toda a gente com
cara de peixe mal morto pintado pelo diabo às escuras!). Cumprimento as minhas
amigas que já lá estão e juntas vamos para dentro da escola (Yupi!). Entramos e
seguimos caminho até às escadas onde pousamos as mochilas e falamos sobre
qualquer coisa que de interessante nada tem (só mesmo para entreter). Toca e
dirigimo – nos à sala A06 para ter E.V. e, de manhã, seguem – se as salas C27,
C25 e A03.
E fiiinaaaalmmenteeeee, toca para almoçar!
Dirigimo– nos para a fila, apesar de que, para vos ser sincera, eu nunca espero
nas filas, eu sigo sempre AO LONGO da fila em busca de alguém que eu conheça e
a quem me possa, disfarçadamente, abraçar e ficar lá até encontrar alguém que
esteja ainda mais perto da COMIIIIDA. Chego ao meu destino e pego no tabuleiro,
em seguida nos talheres e seguidamente no copo. Passo pela sopa e vejo o prato
que está mais vazio, o meu, e deixo um “Bom dia” às cozinheiras (senhoras muito
simpáticas), pegando no meu prato com comida. Hoje é frango assado e massa e
para sobremesa tiro uma taça com bola de gelado, não uma, não duas, não…esperem,
por acaso são só duas, o que mesmo assim é considerado sorte. Delicio – me e no
fim vou arrumar o meu tabuleiro, saindo do nosso “restaurante escolar”!
Hoje é terça, o que significa que
neste intervalo não há cá vadiagem, porque tenho de ir para o teatro. Eu e as
minhas melhores amigas dirigimo– nos ao auditório, abrindo a porta e pedindo
desculpa pelo atraso (a pausa para a casinha demorou um pouco mais que o
esperado! Ops!). A professora está em cima da cadeira que se encontra em cima
do palco e nós, os plebeus, sentamo – nos nas cadeiras de baixo (estou a
brincar, gosto muito de si, professora!). Ouvimos com muuuuuiiita atenção os
recados da professora e no fim, um a um, vamos abandonando a sala, encontrando
– nos com os nossos amigos, para desfrutar um pouco do intervalo. Mas, como
tudo o que é bom acaba depressa, assim também o nosso intervalo passa a correr
e lá temos nós de voltar, agora para a sala D42. Entramos na sala e, depois de
dizer o obrigatório “Good afternoon” à professora Marta, cada um senta-se nos
seus lugares e tira os seus “Swoshs” da mochila, acompanhado pelo caderno e
pelo porta – lápis. Depois toca e, finalmente, para a última aula temos de nos
dirigir à sala SV13/1, onde temos E.T. com a nossa diretora de turma,
disciplina de que eu até gosto bastante. Neste momento, estou a pintar um
quadro sobre a família dos Watersons da série animada “ O
incrível mundo de Gumball”, série que eu até aprecio, mas o quadro é para o meu
pirralho de 8 anos, o Martim. Acaba a aula (mas o quadro ainda não, é que eu
sou um bocadinho, só um bocadinho lenta!) e eu dirijo – me para o Saxo azul do
meu tixi (tio + táxi. Eu acho que me estou a sujeitar a um processamento por
plágio, tipo à Tony Carreira!), acompanhada pelo meu primo, para, os três
juntos, nos dirigirmos às nossas duas casas germinadas, bem juntinhas. Pelo
caminho, falamos sobre como correu o dia de todos e, quase chegados a casa,
temos de fazer uma paragem para recolher o meu irmão e a minha prima e depois
PARA CASA É QUE É CAMINHO. Chegamos e o meu tio Zé buzina, para confirmar se o
seu cão, o Dunga, está cá fora e se há necessidade do meu primo sair do carro
para o ir segurar.
Enquanto isso, eu e o meu irmão
despedimo – nos e saímos do veículo de quatro rodas movido a gás, para
voltarmos para a nossa casinha (de onde nunca devíamos ter saído!). A minha mãe
vem apressadamente com o meu outro, mas mais pequeno, maninho ao colo, eu entro
e sinto o calorzinho acolhedor da nossa casa. Dou um beijinho seco e barulhento
na minha mãe e no meu maninho. Descalço os meus pés suados e malcheirosos,
calço os meus chinelos bordô às bolinhas (estilo pin – up) e procuro algum
sítio onde me possa sentar. Escolho o meu melhor amigo, o sofá. Sento – me e
vejo um pouco de televisão, mas logo de seguida, por muito que eu não queira,
tenho que ir lá para cima fazer os trabalhos de casa. Mas antes passo pela
cozinha, em busca de algum tipo de prova visual sobre o que será o jantar, tipo
C.S.I. Vejo uma colher, um bocado de papel de alumínio e… hmmm sinto um
delicioso cheiro a passar pelas minhas narinas. Cheira – me a perna de perú com
batatas assadas com aquele molinho delicioso que só a minha mãe ou o meu pai
sabem criar e recriar.
Faço os trabalhos de casa que consigo
e olho para o relógio. São 18:40, o que significa que é hora de pôr a pata na
estrada e rolar até ao centro social de Souto Santa Maria, para ter catequese.
Entro, reparo que a luz já está acesa e ouço risos, o que significa que
definitivamente o Rúben já lá está. O Rúben é um amigo de infância que por
acaso é muito chato e convencido, mas quando quer sabe ser engraçado (à sua
maneira, mas pronto tem que ser!) “Prontos, meninos podem sair!”…neste momento
todos se dirigem para a porta, incrivelmente calmos, porque na escola parece
que uma onda sísmica ultrapassa aquele chão e por toda a parte se ouve cadeiras
a bater e pessoas emanadas por um espírito selvagem a correr por 15 minutos de
liberdade…mas aqui não, aqui caminhamos calmamente até à porta, se calhar é por
sermos apenas 8, mas isso é só um detalhe. Caminho pela minha rua acima que é
iluminada por alguns candeeiros de luz fraca e laranja, enquanto tenho em mente
a deliciosa perna de perú e as deliciosas batatinhas que vou deixar escorrer
pelas minhas goelas abaixo quando chegar a casa.
Chego a casa, já um pouco a ofegar da
corridinha que dei rua acima, armada em Usain Bolt, e agora, já com mais calma,
vem o meu pai abrir – me a porta e eu entro e digo “Olá a todos”, seguindo
imediatamente para a mesa. Sento-me e aquele cheirinho que outrora senti
continua lá, no mesmo lugar, e a minha língua percorre os meus lábios
salivantes. Tiro comida para o prato e delicio – me, muito feliz. Em seguida,
vou tomar um banho, visto o meu pijama do Snoppy, um pouco de televisão, um
pouco de telemóvel, mais um pouco de televisão e “P`ra caminha meninos!”. Eu e
o meu irmão seguimos em fila para a cama, a minha mãe aconchega e dá um
beijinho de boa noite a ambos.
Eu, já deitada, mesmo antes de fechar
os olhos, reflito sobre o meu dia, e o quanto ele valeu a pena, tanto que até
escrevi um texto sobre ele, tanto que valeu quatro páginas de um dia banal, mas
diferente… porque se calhar todos os dias são diferentes, mesmo sem darmos por
isso. E antes de fechar os olhos, antes de fechar a boca e dizer uma última
palavra entre tantas outras deste dia, eu digo “Obrigado!”. Obrigado a todos os
que leram este texto até ao fim, a todos os que fazem os meus dias valerem a
pena, a todos os que me fazem levantar a espinha da minha cama confortável e
quentinha para sair da porta de minha casa, encontrando este frio imundo que
assombra as manhãs de todos os dias; obrigado a todos os que me fazem saber um
pouco mais todos os dias, desde Ciências, Português até às artes e muito mais…;
obrigado a todos os que me fazem dar um sorriso de alegria, libertador e
contagiante, como se fosse o último. E aí fecho os olhos e sorrio, porque
amanhã…amanhã é outra história.
Fabiana Vieira 8ºB
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